segunda-feira

limpeza

Ontem às dez horas, quando eu cheguei ao fundo do sono, uma voz vinda de onde? me chamou de idiota, imbecil, “o que você está fazendo aí trancado nesse banheiro? bolando a apoteose da tua vida?”
“Foi uma espécie de promessa que eu fiz pra mãe”, justifiquei, mas essa era uma ideia confusa, típica enrolação minha. Dava a entender que a minha mãe compactuava com isso. Na verdade, fiz jura sobre ela após a sua morte.
O único apego real que eu tinha no mundo, a minha fonte de vergonha e medo, dentre as várias coisas que me ensinaram, eu sequei quando ela se foi. Mas estava livre para fazer o que eu quisesse com a minha virtude, conjunto de regramentos morais recebido pela linhagem materna no meu caso. Poderia apagá-la, letra após letra, e nunca mais ter sempre vergonha de ser injusto.
De uma hora para outra algumas pessoas foram saindo de cena como peças de xadrez. Foram enfileiradas em algum lugar que eu não enxergo mais, observando a minha existência e a merda que eu faço com ela. Entre elas, tu.
Fiquei sozinho nesse apartamento, como numa música brega, com as tralhas ao redor (as minhas as tuas as das outras) se amontoando de um modo sufocante, o mesmo efeito de uma estufa ligada num banheiro estreito nesse dia de calor. É inevitável que o momento faça repensar meus motivos de estar aqui, nessa sauna, eu sentado na cadeira de plástico dentro do box do banheiro, um lugar limpo e digno para limpar o corpo, como eu aprendi.

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