quarta-feira

vampira ♫♪♪

ferve o sangue
lambe o sangue e a saliva
o inferno pode estar na noite

e parecer uma vampira
deixa eu contar essa história então:

os olhos, faróis
o amor sem dó
fervor em nós

e um corpo sem sol
me atirei aos seus pés

me atirei pelo chão
ela então confundiu lixo com paixão
que se joga fora
- e jogou fora

razão da minha insônia
agora não tenho mais paz
cravou os dentes no meu coração
inflama a ferida

engana a todos com um jeito fatal
no seu estranho conceito, caçar é normal
fica rodando bares atrás de ação
transformou-me em boneco de pura ilusão
em morto-vivo, em algo feito de ar
e mais: em marginal

na lua cheia, a estrela de bar
vem deixar o seu batom
te beber e o teu corpo tomar
[essa frase é da Cláudia]
e te fazer mal
e mau
e mau demais


http://www.youtube.com/watch?v=gacgGWa5L2g
clipe: cláudia barbisan
música: she´s ok

segunda-feira

inseto-eterno

Matei um inseto enorme, desses de dar medo, acordado pelo aquecimento global. Estatelei-o na parede. O bicho grudou na palma da minha mão direita, virou uma gosma que eu limpei com asco.
No banheiro, olhei o cadáver-inseto escorrer, dando voltas feito um tonto até cair no redemoinho do ralo da pia.
Imaginei esse inseto-miserável deslizando suavemente pelo cano e sendo soterrado pelo lodo do fundo do lago Guaíba, seu destino final – lodo para o qual, um dia, fatalmente escorrerão quase todas as coisas que estão próximas daqui.
Pensei no tempo. Milhares de anos à frente, o fóssil-inseto seria descoberto na rocha cristalizada do antigo leito do Guaíba, não mais rio, mas poeira.
O tempo formaria o âmbar em torno dessa jóia-inseto, em exposição permanente num museu do futuro para que os visitantes pudessem vislumbrar como seria a vida na Terra no início do 3º milênio.
Esse inseto-imagem ficaria gravado no cérebro de estudantes impressionados, que contariam aos seus filhos, netos e bisnetos como os animais do passado eram enormes, horríveis e asquerosos como aquele que eles viram um dia no museu.
Assim, o inseto-memorável me sobreviveria. Senti o rumo do esquecimento.
Imaginei o meu corpo numa gaveta. Ao poucos, diluído na água da chuva, empurrado pelo vento, eu desceria em direção ao rio, ajudaria a formar o lodo sobre o casulo-inseto. 10.000 d.C. - depois que o próprio C. já estiver sido esquecido - eu estaria pronto.
Durante uma expedição ao meio do deserto Guaíba, cientistas procurariam o passado no chão, e me removeriam como poeira, sem ligar para a minha existência ou para qualquer outra coisa que existira em torno de mim, e se tornara poeira também.
Apenas o inseto-eterno, no seu brilho máximo, testemunharia um mundo que não existia mais.
* * *
Outra possibilidade, de consolo, seria o inseto escorrer pelo cano e ficar preso no limo da parede de algum esgoto, inchando com a umidade, desmanchando-se e mudando de forma como tudo que tem começo-meio-e-fim. Misturado com outras porcarias, ele torna-se um adubo líquido e negro, fluindo, gotejando com paciência, dando vida a um jardim. Esse é o final que eu quero.