sexta-feira

xxx

Uma noite fomos dormir na casa dos x, um casal simpático que conhecemos nas últimas férias em X, com quem trocamos uma experiência bastante interessante naquela temporada.
Não foram apenas algumas tardes modorrentas e chuvosas de praia, sem nada para fazer, e sim a curiosidade da Sra. x por nós que possibilitou o acontecimento de que tanto gostamos de lembrar.
Relembramos aqui.
Entre o convite para sermos seus hóspedes e a nossa decisão passou ao menos um semana. Fomos a uma parte quase despovoada do interior, onde eles eram proprietários de um sítio.
Chegamos no final da tarde de sexta e logo rolou a mesma descontração de dias atrás. Juntos bebemos, antes e depois daquelas loucuras, uns goles de um bom e velho uísque, só para descontrair e esquecer um pouco o gosto forte de carne que ficava na nossa boca.
Ceamos maravilhosamente bem – boas lembranças – achamos tudo muito apetitoso.
A mão magra da mulher nos tocou de uma maneira delicada, com as suas unhas bem feitas e a pele lisa, uma suavidade nas formas que subia pelo braço branco e pelo ombro branco e levava os nossos olhos até aquele pescoço duro e sensual.
Realmente foi percebendo a Sra. x que ela nos percebeu. Ainda na praia, chamamos a sua atenção até uma casebre abandonado, mais para o meio da baía, onde não havia ninguém a não ser nós no meio daquela chuva maldita, sem dar paz há vários dias, mas que serviu a nossa intenção de nos escondermos.
Abafamos os gritos, ela tremia tanto, e o seu corpo revirou quando fincamos nela. Para aumentar o tesão, no meio do escuro nós paramos, demos alguns passos para trás e tentamos ver o seu corpo branco e nu, ouvindo seus gemidos e imaginando como ela deveria estar gostosa naquele momento; nos queria, então atacamos até o final.
Foi ela que nos deu essa segunda oportunidade quando o marido foi ao vilarejo mais próximo comprar mantimentos para o sítio.
Explicar para o Sr. x o que fizemos com a sua esposa não nos preocupava, já que ela própria mostraria isso, aquelas marcas não dariam para esconder. Nós esperávamos a compreensão dele, já que o homem nunca demonstrou qualquer descortesia conosco, talvez apenas num momento, mas provavelmente ele estivesse um pouco ciumento.
Na hospedaria da praia, ela nos olhara de um jeito estranho, observando-nos com seus olhos grandes como se pudessem sair e nos devorar e como se assim o quisessem. Foi num desses olhares que ela nos descobriu. Sacou tudo. Antes éramos qualquer um.
Apresentou-nos ao marido, de quem ficaríamos íntimos dali a uma semana. Apresentou-nos em momentos diferentes, como se fôssemos a mesma pessoa. Logo nós que nos achamos tão diferentes – apesar da aparência e do tanto que temos em comum.
O mesmo nome, a mesma atuação, a gente se revezou nessa história durante uma semana, foi um sarro! Uma hora, um estava com ela no boteco; outra hora, o outro conversava no pé da escada. E ele achando que éramos o mesmo amiguinho gay que ela conhecera na beira da praia. Não que estivesse equivocado, mas quando ele percebeu tudo já era tarde, e para que encrencar, nós riríamos disso juntos depois.
Ficamos um ao lado do outro, seus corpos nus na cabana do sítio, rolamos por quase uma tarde inteira, sem exagero, sobre os fios grossos do tapete da sala que espetavam a nossa pele e guardavam uma parte dos nossos fluidos e dos deles, molhados e secos.
Antes disso, o Sr. x voltou do vilarejo. A cara de espanto quando ele viu como ficou a mulher depois da nossa festinha, no seu vestido mais branco e transparente, era de uma incredulidade boboca.
Não aguentamos esperar, pedimos desculpa, foi uma loucura, mas agora era a vez dele. Houve uma certa resistência, talvez uma moral reprimida, jamais saberemos, mas de qualquer forma o obrigamos e foi rápido. E sem graça.
Num segundo, o homem estava de joelhos chorando feito um bebê desesperado, como rimos. Um segundo mais e ele se aquietou. Repetimos na frente da sua esposa o que fizemos com ela, os olhos dele nos pediam, ela também estava quieta e sem graça.
Agora descansavam.
Nossos corpos estavam empapados, atirados no chão da sala deles, para onde pacientemente nos mudamos. Ficamos para a semana. A lareira acesa, a lenha estalando e nós brincando de deixar os dedos pretos com carvão, para depois lambê-los e chupá-los. Eles fingindo.
Aproveitamos e mordemos as partes preferidas, mordidas fortes, eles pareciam não estar nem aí, o que aumentava o desafio. Os nossos dentes marcaram a pele da mulher como tatuagem, flores grandes e vermelhas, carne com gosto bom, linda e excitante. O homem era rijo e mole ao mesmo tempo, servia para coisas diferentes.
Quando tudo acabou, acendemos um cigarro e ficamos recapitulando baixinho, ali deitados, como chegamos até ali, eu e tu, tu e eu juntos.

dr. know: esse texto foi montado no estilo dada

quarta-feira

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sou historiador
interesso-me por mortos
e coisas mortas
como alimento
como poesia


poema fracasso I

verso livre

coisa boa é dizer
e fazer sem ninguém
entender

poema barraco II

quinta-feira

história cíclica

O cara tem 20 anos, sai da casa da namorada, por quem é apaixonadíssimo, pega a primeira que encontra na avenida, ela buzinou e perguntou onde era tal bar, ele inocentemente aceitou levá-la até lá, para logo estarem se agarrando dentro do carro numa rua bastante movimentada, com a centena de possibilidades de haver uma culpa atrás da árvore, outra na esquina mal iluminada, outra abrindo a janela para o flagra.
O cara tem 27 anos e está confiante em si mesmo, vê o mundo como algo que ele próprio constrói, uma questão de esforço físico, de paciência mental e de não se perder, até que descobre a mulher saindo com um que diz que é amigo, e os outros que se dizem amigos torcem para que ele meta um par de chifres bem dado na ingrata. Ninguém fala nada e ele se perde.
O cara tem 30 anos e acha que passou por todas as mazelas da vida, arranja uma menina para se divertir sans souci, só que engrena um ciúme e a menina vira ponto de honra na sua honradez, e ele começa a falar até que ela entenda as mazelas da vida, mas ela não tem que entender nada e isso o angustia.
O cara tem 35 anos. Toca a vida com a parceira que não é o seu ideal, mas ela também compreende bem o que é ser enganada. Constrói-se um mundo a parte, no qual o capacho da porta serve para limpar as mentiras de todos que entram ali, e geralmente entram só dois, até ela mentir e ele se enganar com a vida. Tudo isso num mundo que, ele já sabia, preza acima de tudo a ilusão.
O cara tem 40 anos e agora entende porque os adultos da sua infância eram tão permanentemente mal-humorados.

segunda-feira

reino dos malentendidos

Eu meio zonzo, mentindo que estou um pingo sóbrio.
Eu, numa trincheira, respirando com a buchada para fora, implorando me mata, me mata.
Uma puta dor de cabeça que vem de alguma volta do cérebro, alguma merda que eu fiz que não me caiu bem, na alegria, na tristeza e no amor.
Um bocejo é pouco para o que eu tenho para te contar sobre o meu sonho, eu era um zumbi e nele eu ria um riso nervoso, ofuscado pela luz, sem dormir, batendo-queixo. Enquanto eu esperava, esperava que viesse um fim que explodisse tudo, eu tu ela vós eles e nós.
Em pedra me transformei, para que, só para causar a impressão de que o meu ser era difícil, turbinado por uma série de coisas como ódio, paixão e poder. Mas eu me segurava para não falar.
Disseram-me que eu tinha que voltar para mim, parar de brigar comigo. Virou um mundo em que eu me amava, só eu, todos eram eu: se algo estivesse em desacordo com isso era tocado no lixo da minha desatenção.
E falar saiu da moda, escrever também, só um bando de chatos ainda fazia isso. Quando o jardim da minha casa cresceu e as plantas bateram na altura da nossa incompreensão, era num grunhido surdo-mudo que a gente se comunicava, se é que aquilo era comunicação.

limpeza

Ontem às dez horas, quando eu cheguei ao fundo do sono, uma voz vinda de onde? me chamou de idiota, imbecil, “o que você está fazendo aí trancado nesse banheiro? bolando a apoteose da tua vida?”
“Foi uma espécie de promessa que eu fiz pra mãe”, justifiquei, mas essa era uma ideia confusa, típica enrolação minha. Dava a entender que a minha mãe compactuava com isso. Na verdade, fiz jura sobre ela após a sua morte.
O único apego real que eu tinha no mundo, a minha fonte de vergonha e medo, dentre as várias coisas que me ensinaram, eu sequei quando ela se foi. Mas estava livre para fazer o que eu quisesse com a minha virtude, conjunto de regramentos morais recebido pela linhagem materna no meu caso. Poderia apagá-la, letra após letra, e nunca mais ter sempre vergonha de ser injusto.
De uma hora para outra algumas pessoas foram saindo de cena como peças de xadrez. Foram enfileiradas em algum lugar que eu não enxergo mais, observando a minha existência e a merda que eu faço com ela. Entre elas, tu.
Fiquei sozinho nesse apartamento, como numa música brega, com as tralhas ao redor (as minhas as tuas as das outras) se amontoando de um modo sufocante, o mesmo efeito de uma estufa ligada num banheiro estreito nesse dia de calor. É inevitável que o momento faça repensar meus motivos de estar aqui, nessa sauna, eu sentado na cadeira de plástico dentro do box do banheiro, um lugar limpo e digno para limpar o corpo, como eu aprendi.