sexta-feira

estrela

ó estrela
eu gostaria de estar
aí bem longe
sob o teu sol
resplandecente
na escuridão celestial
no espaço infinito

alguns só veem luzes
idiotas
distantes
muitos nem ligam
mas eu só tenho olhos para ti
estrela
estou preso aqui
eu trabalho
mas um dia
em bilhões de anos
estarei aí
quando não estiveres mais
piscando para mim

domingo

bem longe daqui

Justamente por sonhar com lugares distantes é que eu estou aqui.
Olho o horizonte na direção oeste, um pouquinho pro norte, que é por onde eu imagino que tu estás.
Casualmente ali desce uma lua minguante todas as noites, todos os dias ao final da tarde quando eu chego aqui e penso em ti.
Uma luz brilhante, vênus, vai correndo apressada, antes do luar sumir no horizonte, pra te avisar o que eu quero de ti.
Uma outra luz piscando, bem longe, estrela que demora a desaparecer nos edifícios, sou eu anos luz de distância de ti.
Todas essas ideias acabam em ti.
E como é chato ter ideias e não ter a matéria-prima para as fantasias que elas arrastam, nenhuma carne viva que eu possa agarrar e alimentar a minha vontade.
Vi e te vi bem longe daqui, infelizmente.
bien loin d'ici, CB

perfuratriz

estou a oito mil metros no solo
em direção ao poente
do outro lado do mundo
com as lascas e as raízes cortando
cada canto um canto profundo
de brocas de rochas
um estouro de fúria
sem luz, de quem
não sabe
se vai
volt
ar

notícias de hoje XVIII

sexta-feira

picado de céu azul

à la malinoski
1 terra redonda
1 céu Infinito
©
1 pitada de inferno

O céu brigou com o inferno e no meio estava a terra, é lógico.
Com a força de um furacão, o chão se abriu e dele saíram nuvens de fogo num clarão rumo ao céu, que enviou as trevas nesse dia.
A terra, o único lugar habitado, foi ao ar e desceu ao mais profundo abismo nesse mesmo dia, e azar de quem estava lá.
O amanhecer foi estranho, com o que ainda havia olhando para um céu machucado do fundo do poço que a terra virou.
Não se sabe quem ganhou. O musgo se espalhou lentamente, choveram insetos, sementes e pequenos crustáceos, alguns seres rastejaram para fora dos buracos e tudo foi esquecido eternamente.

in=verno=ferno

A porta está aberta, pode entrar. Eu estou aqui embaixo, na frente do computador, escrevendo os meus pensamentos. Com as mãos geladas, olho para o céu absorto, cinza, meio chapado, sem graça nenhuma. Não penso em nada e volto a escrever. Prometeram neve para hoje, logo aqui que não neva.
Um arrepio no pescoço, a imaginação borbulhando e nada.

sábado

nadismo

Definitivamente, eu não escrevo sobre a minha vida e as minhas opiniões, como as pessoas se acostumaram a fazer: imagino, invento e minto sobre o mundo que está aí.

quinta-feira

sul

O entardecer mais escuro que eu já vi. Escurecendo até não ver mais coisa alguma. O fim da luz no horizonte, já pálido, sumiu. O vento úmido fez esquecer tudo em volta, agora só estava eu. Andava sem rumo, eu andava no escuro. Por que andar então? Senti os meus pés congelados. Devia desistir, fui seguindo, não havia o que fazer. Sem reclamação. Não tinha para quem reclamar, a não ser para mim e eu não estava com intenção nenhuma de perder tempo com isso. Até porque achava que não havia muito tempo, mas eu não tinha ideia do quanto era. Tentação de culpar alguém, de praguejar e blasfemar, mas eu já havia desistido de fazer coisas assim para sempre. Lembrar da minha trajetória até aqui: não havia mais história que me interessasse. Completamente nu, nu de tudo, de roupas, não as via, de pensamentos, de ideias. Despido do mundo e da vida. Esperança de que a situação mudasse, nem pensei nisso, esperança não serve para nada. Tinha a noção que eu andava. Estou no caminho, que bom, só isso. Impressão de ver uma luz, uma ilusão, mas esses acidentes acontecem, não me impressionam mais. Fui indo. Passou a época em que eu me enganava. Inventei um mundo com o material que me cercava: árvores negras, solo escuro, céu de breu, mesmo o vento era preto, feito fumaça. Uma sombra veio falar comigo: eu estou te cuidando. Respondi que não precisava de nada. Queria saber se eu estava perdido, mas não havia perdição neste mundo vasto, apenas liberdade, sem escolha. Não era de lugar algum, eu andava com a escuridão em volta.
O telefone tocou e era você me acordando – como foi difícil acordar – para dar bom dia e me desejar um ótimo trabalho. Fui ao banheiro feito um zumbi, acendi o fogo para o café no modo automático, comi e bebi, vesti a roupa que já estava separada, um robô, olhei o relógio, atrasado, tinha que ir. Esqueci tudo o que eu fiz antes de abrir a porta e sair. Indo. Ônibus, trabalho, intervalo, trabalho, almoço, ônibus, trabalho, intervalo, trabalho, ônibus, casa.
Oi, telefone, já cheguei. Comendo algo. Que tu vais fazer? Sei lá, me preparar para dormir. Lavei a louça. Nada de interessante na tevê, mesmo assim ficou ligada. Naveguei durante horas na frente do computador pensando que eu fazia isso todo o dia.
Dormi sem registro de sonho. O telefone tocou e era você me acordando para desejar um bom dia. Ônibus, trabalho, intervalo, trabalho, almoço, ônibus, trabalho, intervalo, trabalho, ônibus, casa.

sábado

anoréxica ♪♫

bonequinha sempre sonhou ser modelo em milão
vestido de cartolina, corpo de papelão
tentou laxantes, drogas, dietas
até que enfim ela vomitou

bonequinha realizou o seu sonho de modelar
esculpiu um corpo fino que vive só de ar
é quando quebram os ossos, boneca
pra entrar num manequim zero

anoréxica manequim zero
anoréxica manequim zero
anoréxica manequim zero
anoréxica manequim zero

hardcore

desespero ♫

desespero, desespero você
e passo por bobo
desespero a todos
desespero você

estéreo demo ou histérico ser?
e ser se compara a nada
desespero a todos
desespero você
– – – – – – (saber o que há, não sei)

falo sério, é um mistério
quando flores de plástico venho te oferecer
eu falo lilás com fluente francês
se fosse orgulhoso, eu não forçava esse tom

te assustei?
dá a tua mão para mim, frankenstein
eu borbulho lava
desespero a todos
desespero você
– – – – – – (é possível-evitar?)

nesse instante tem um elefante cor-de-rosa e azul sobre mim
desespero das oito
desespero das seis
– – – – – – (faltou essa frase também)

espelho meu, eu espero quebrar você
um monte de cacos é que eu vou parecer
estamos em marte falando grego
se for perigoso é então que eu acho bom
rock

segunda-feira

história do ó

O nada
é um cu
que não deixa
pensar
ou
imaginar
outra coisa
a não ser
cu

o
co
é o
cu
ou
o
co
sou
eu?

mim
o
co

círculo do mundo
entrega o seu curso
ao nada
cura a ilusão de quem acha o ó
ser só o fim
mais nada

ó
óculos imundos

quinta-feira

destino inverso


roteiro imaginado:
beneficência portuguesa/riachuelo/borges/ipiranga/ernesto dornelles

divirta-se
nas pistas da rede
de películas urbanas
como você está?
aqui eu nasci
o meu pai morreu ali
seguindo a linha amarela
eu sou uma zebra
com visão de motoboy
no meio das avenidas de propaganda
onde chovem automóveis, eles mandam
dilúvio, água e guaíba
para onde tudo vai
para onde vai o nada, a caminho
fazendo as suas próprias escolhas
as escolhas dos outros também
no shopping ou no posto de gasolina
num dia nublado triste
uma teia cinza de asfalto
treme sobre o novelo de esquinas
destino inverso ao da vida
que morreu na minha alma