segunda-feira

inseto-eterno

Matei um inseto enorme, desses de dar medo, acordado pelo aquecimento global. Estatelei-o na parede. O bicho grudou na palma da minha mão direita, virou uma gosma que eu limpei com asco.
No banheiro, olhei o cadáver-inseto escorrer, dando voltas feito um tonto até cair no redemoinho do ralo da pia.
Imaginei esse inseto-miserável deslizando suavemente pelo cano e sendo soterrado pelo lodo do fundo do lago Guaíba, seu destino final – lodo para o qual, um dia, fatalmente escorrerão quase todas as coisas que estão próximas daqui.
Pensei no tempo. Milhares de anos à frente, o fóssil-inseto seria descoberto na rocha cristalizada do antigo leito do Guaíba, não mais rio, mas poeira.
O tempo formaria o âmbar em torno dessa jóia-inseto, em exposição permanente num museu do futuro para que os visitantes pudessem vislumbrar como seria a vida na Terra no início do 3º milênio.
Esse inseto-imagem ficaria gravado no cérebro de estudantes impressionados, que contariam aos seus filhos, netos e bisnetos como os animais do passado eram enormes, horríveis e asquerosos como aquele que eles viram um dia no museu.
Assim, o inseto-memorável me sobreviveria. Senti o rumo do esquecimento.
Imaginei o meu corpo numa gaveta. Ao poucos, diluído na água da chuva, empurrado pelo vento, eu desceria em direção ao rio, ajudaria a formar o lodo sobre o casulo-inseto. 10.000 d.C. - depois que o próprio C. já estiver sido esquecido - eu estaria pronto.
Durante uma expedição ao meio do deserto Guaíba, cientistas procurariam o passado no chão, e me removeriam como poeira, sem ligar para a minha existência ou para qualquer outra coisa que existira em torno de mim, e se tornara poeira também.
Apenas o inseto-eterno, no seu brilho máximo, testemunharia um mundo que não existia mais.
* * *
Outra possibilidade, de consolo, seria o inseto escorrer pelo cano e ficar preso no limo da parede de algum esgoto, inchando com a umidade, desmanchando-se e mudando de forma como tudo que tem começo-meio-e-fim. Misturado com outras porcarias, ele torna-se um adubo líquido e negro, fluindo, gotejando com paciência, dando vida a um jardim. Esse é o final que eu quero.

2 comentários:

Sérgio disse...

E enquanto o inseto se decompõe, tu tem a chance de que o teu corpo seja um dos raros exemplos que sofrem um processo de mumificação, e os arqueólogos podem achar teu corpo... rs.

André Malinoski disse...

Gerou gargalhadas numa madrugada fria... Genial! A Ana se desmanchou junto, se matando de rir...hehehehe...dado detefon